JUSTAPOSIÇÃO
A obra JUSTAPOSIÇÃO é o resultado de um trabalho artivista que aborda a desigualdade de género no desporto, e foi desenvolvido por encomenda para a exposição Mulheres no Desporto: Pioneirismo, Desafios, Inspiração, Igualdade, no Museu Nacional do Desporto.
A sobreposição de imagens de homens e mulheres fotografados no final do século XIX, e a naturalidade dos seus movimentos e corpos, são reinterpretadas através de um texto justaposto, evidenciando características ou significados até então ocultos – ou, eventualmente, surreais.
A arte generativa, género no qual esta obra se insere, consiste na exploração estética de um sistema autónomo, programado e parametrizado pelo seu autor, mas cujos resultados ou combinações são potencialmente infinitos e distintos, gerando novas imagens a cada execução. Neste tipo de sistemas combina-se – justapõe-se – caos e ordem: a seleção, posição e coloração das imagens é decidida pelo sistema, com alguns parâmetros aleatórios (caos) enquanto o fluxo do texto é pré-definido e obedece à sua construção original (ordem).
Do ponto de vista conceptual, podemos identificar quatro pilares fundamentais:
- a igualdade intrínseca entre todos os seres humanos, manifestada através dos 11 elementos químicos mais comuns na nossa constituição (oxigénio, hidrogénio, azoto, carbono, cálcio, fósforo, enxofre, potássio, sódio, cloro e magnésio);
- um conjunto de informação estatística relativa ao tema, oriunda de fontes credíveis e reputadas;
- o trabalho cronofotográfico pioneiro de Eadweard Muybridge, realizado entre 1878 e 1886 sobre a locomoção animal, e onde figuram modelos humanos femininos a par dos masculinos;
- um texto original de cariz poético, em 11 atos, que representam diferentes personas, individuais e coletivas, cada uma delas expressando-se sobre o tema através de jogos de palavras em torno de termos como transposição, desigualdade ou superação, entre outros.
O nome da obra é, também ele, um pequeno jogo com a palavra justaposição, já que a obra assenta na sobreposição de camadas semânticas complementares, construindo dessa forma um conceito de justa posição sobre a (des)igualdade de género no desporto.
A obra envolveu um processo de investigação complexo e quase divergente, sendo que os três primeiros pilares se apresentaram como inspiração possível desde os momentos iniciais. Grande parte do acervo fotográfico de Eadweard Muybridge está atualmente no domínio público, e acessível através de Wikimedia Commons, possibilitando a criação animações com as sequências mais ricas e bem documentadas. Existem, inclusivamente, vários GIFs animados que são disso exemplo.
Por outro lado, a informação estatística sobre o tema da desigualdade no desporto é abundante, e por isso impôs-se um processo de seleção, para evitar a irrelevância pelo excesso e pela habituação.
Contudo, todos estes elementos apresentavam-se desligados entre si, e não foi possível identificar nenhum outro elemento externo que funcionasse como unificador. Daqui nasceu, então, o propósito de criar um texto original que servisse aquele desígnio. Curiosamente, o texto foi revisto várias vezes por influência pela própria obra em que se integrou, já que a cada teste, ao observar a combinação com as imagens em movimento, frequentemente revelava-se a necessidade de acertos, quer na divisão dos atos, quer na métrica das frases, ou ainda na própria construção e escolha dos termos.
Oxigénio. Somos dualidade coreografada em tempo e espaço, fluidez de órbitas atómicas, universos nossos, pulsantes de eletricidade, veias, ossos, anatómica singularidade. Somos diferentes em vida, vento ou vaga: não há absoluto. Iguais na morte e no fruto. Hidrogénio, o enigma da identidade manobra a pele e a razão, em cada músculo e tendão até então desconhecidos. Corre o espírito pelas veias. Temos braços para voar, pernas para ir. Tudo é superação e sacrifício, de cada fim a cada início. Persistir até ao âmago, até ao zénite. Azoto. Transposição. Não são quotas que mudam oportunidades, és tu e a tua posição. Quantos nomes de jogadoras de futebol conheces? A quantas provas femininas assististe? Se todo o carinho é dado a um só filho... esperas que o outro prospere? É triste Trans-posição. Carbono. De calcinada e proibida a desigual. Nor-mal? Se tenho músculos, sou feia? Se combato, sou agressiva? E se é essa a tua ideia... é tua a invectiva, e minha a superação. Cálcio. Resistência. Pede mais aos jornais e às redes sociais. Escreve para as televisões. A dignidade está acima dos milhões e eu estou acima da adversidade. Desafio a gravidade e o preconceito. A igual tudo é dado. A mim? Tudo é preceito. A vitória é mais do que um ato de vontade. A superação é o respeito. Des-igualdade. Respiro e ensejo. Des-ejo igualdade. Anseio. Ardo. Arde! Fósforo. Eterna chama anímica, visão do que ainda não é, mas que se sente. Transmutação alquímica da dor em ardor, da inspiração em forma. Trans-forma. Explode! Enxofre. Ser humano. Sou mulher. Sou suor. Sou vulcão. Super-ação. Equipa e colaboração. Coração. Mulher. Atleta. Ser. Competição. Chama, simetria e paixão. Rituais e regras, ritmos, treinos e rondas. Nunca o ócio. Potássio. O meu sangue é igual ao teu, o meu suor tem o mesmo sabor e as lágrimas igual textura. Sódio. Vontade pura. Cloro. De sal a sol, de céu a céu, sou constante hermética, atrator simbólico, magnésio e alma. Sou.
Do ponto de vista técnico, a obra foi integralmente programada em Processing 4.0, utilizando Adobe Premiere para pré e pós-produção. A obra exposta resulta de uma captura para vídeo, em tempo real, da execução do sistema (runtime).